Toca o telefone em Itapetininga (163 km a oeste de SP). A primeira coisa que a produtora de eventos Mariana Palezi, 31, pergunta à mãe depois de ouvir o alô é se os cachorros estão bem. E a mãe reclama. Diz que ela gosta mais dos bichos do que dos pais. "Vira e mexe vocês estão aqui em São Paulo. Mas os meus cachorros não", responde a filha.
Faz dez anos que Mariana veio para a capital e ainda não superou o afastamento dos pets. Ela tem fotos dos cinco cachorros atuais --três fox paulistinha, um weimaraner e um SRD, além dos que já morreram-- espalhadas no site de relacionamentos Orkut e em um mural no seu quarto. Não raro, ela se pega chorando de saudade. No último Dia das Mães, a produtora recusou a carona de um primo só para passar alguns minutos com os animais de estimação. "Fazia três meses que não os via. Eu não agüento."
No caso da química Raquel Vichesi, 23, bateu também um pouco de culpa. Ela resolveu adotar a gata Alessandra quando a bichana fez da casa da família, em Santo André, seu restaurante preferido. Convenceu os pais, que nunca tinham tido pets em casa, a pagarem uma cirurgia de bacia, no dia em que a gata apareceu desconjuntada, e assim ela conquistou seu lugar.
Desde que saiu de casa para estudar, em 2003, Raquel, que hoje mora em Curitiba (PR), se sente mal por não estar mais por perto. "Quando a vejo, falo sempre que não vou abandoná-la. Às vezes, acordo à noite com a sensação de que ela está enrolada nos meus pés", conta ela, que não quer arrumar outro gatinho para que Alê, como é carinhosamente chamada a gata, não sinta ciúmes.
Raquel diz que a gata também sentiu falta dela, em especial no começo da separação. Alê não comia. Ficou amuada por alguns dias, mas depois se habituou à ausência da dona. Hoje, quando Raquel sai da casa dos pais para voltar ao Paraná, sua mãe coloca uma peça de roupa da filha em cima da cama para que a gata sinta seu cheiro e se tranqüilize.
Relação de cumplicidade
Segundo Mauro Lantzman, veterinário especialista em comportamento animal, os bichos também sofrem pela separação, mas, em geral, têm uma capacidade grande de se adaptar a novas situações. Eles até podem entrar em depressão, mas isso é raro. "Recomendo procurar ajuda se os sintomas como parar de comer, de brincar e passear não se restabelecerem depois de dois ou três dias."
Para César Ades, psicólogo especialista em comportamento animal e professor da USP, não há nada de errado em ter todo esse apego aos animais, desde que eles sejam tratados como tal e não como crianças ou gente. "No caso dos cães, que foram domesticados e convivem com o ser humano há cerca de 12 mil anos, é natural que exista muita cumplicidade." São duas espécies diferentes que se entendem e descobriram as delícias da convivência.
Foi essa relação entre os humanos e os animais que fez com que o atuário Luís Vidal, 29, e a bancária Fernanda Camargo Vidal, 33, achassem mais justo deixar os bichos com as respectivas famílias quando se casaram, há cerca de um ano e meio. "Tomamos a vida nova como nova mesmo. E isso implicava deixar os cachorros com nossos pais, que também são donos deles", explica Luís.
O que ele mais sente falta é da festa que Ralf, um dachshund de 13 anos, fazia sempre que ele acordava. Os dois sempre foram apegados. O cão não saía de perto do dono da hora em que ele acordava até o momento em que ia trabalhar.
Luís conta que preferiu não colocar muitas fotos do pet pela casa, mas que sua mulher tem algumas de Minie e Laika, as duas poodles que ficaram com os pais da moça.
"Já pensamos em ter um novo cachorrinho, mas moramos em apartamento. Ele ficaria o dia todo sozinho. Não é muito legal", diz Luís. A solução foi pegar os cães emprestados de vez em quando. Tanto ele quanto Fernanda levam Ralf, Minie e Laika para passar fins de semana ou um sábado inteiro no novo lar. O duro é convencer os pais a ficar uns dias sem os bichinhos.
CÍNTIA MARCUCCI
da Revista Folha
Nenhum comentário:
Postar um comentário